Opinião – Sim, o Estado Social funciona e faz falta a Portugal!

5 Abril 2023, 9:00 Não Por Redacção

Ao leitor/a, peço alguma paciência. É um artigo extenso, mas vamos falar de Estado Social e por isso vale a pena ler até ao fim. Ainda vos falo de mobilidade/passe social, da agenda para o trabalho digno, da gratuitidade das creches e dos apoios às famílias.

Tempos difíceis são muito propícios a populismos e a correntes que rasgam as vestes para repudiar a importância do Estado Social e fazer a apologia do liberalismo selvagem.

Não nos enganemos, se dúvidas houvesse a realidade – todos os dias – desmente essa teoria, até porque sabemos que o liberalismo económico, libertário dos mercados, não funciona ou melhor…funciona apenas para as elites do costume e não para quem vive dos rendimentos do trabalho, que precisa dos serviços públicos, que estuda na escola pública, ou que é pensionista.

Diariamente, “vemos, ouvimos e lemos” teorias que voltam a tentar sacralizar os mercados. Os mesmos mercados que nos empurraram para a crise de 2008, a maior crise financeira internacional que a minha geração viveu. Os mesmos que conduziram ao empobrecimento dos países cujas economias eram mais frágeis (a famosa sigla PIIGS – analogia a “porcos” e que derivou das siglas dos países do sul – mais pobres e amplamente mais afetados pela crise – Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha) escudados nas ideologias e políticas neoliberais.

Esses, os mesmos, com bandeiras diferentes, mas conteúdos idênticos, querem agora fazer-nos crer que afinal é mesmo desta que o individualismo e o liberalismo sem norte vão mesmo funcionar.

Parece mesmo que essa ideia pode criar uma espécie de amnésia coletiva abraçada a novos movimentos populistas que florescem pela Europa.

Por cá, ainda estamos a recuperar do arrombo desses anos.

Certamente, aqueles que tiveram de emigrar, ou que vivem do rendimento do trabalho ou que são pensionistas não irão esquecer.

Mas a verdade é que hoje temos uma resposta diferente. Podemos discutir os níveis de aumentos, mas uma coisa é certa não estamos a discutir os níveis de cortes de rendimento e essa é uma enorme diferença e não há falácia ou propaganda que o ignore.

Uma coisa é certa, nunca nenhum governo na nossa história recente passou por tantas provações como este, liderado pelo Primeiro-Ministro António Costa, e ainda assim não foi (nem vai) pelo caminho mais fácil.

Primeiro a pandemia, com as consequências económicas e sociais que daí advieram para o SNS e para os profissionais e agora as consequências da guerra: a inflação, o aumento dos preços e do custo de vida.  

Foram precisas respostas céleres para apoiar as famílias e as empresas.

Estou a falar de medidas concretas, que foram feitas e estão a ser feitas em todas as áreas.

Desde a redução de impostos sobre os combustíveis e a eletricidade (com o mecanismo de ajuste do Mercado Ibérico de Eletricidade, que proporcionou uma poupança média de 22% em 2022), com as medidas de apoio direto às famílias (360 euros para os agregados beneficiários da tarifa social de energia e de prestações sociais mínimas; 125 euros para rendimentos mensais brutos até 2700 euros e por cada criança/jovem – 50 euros- respetivamente em Outubro, e meia pensão adicional para os pensionistas), aumento do complemento solidário para idosos e do abono de família, assim como a criação de uma nova prestação social de apoio à infância – a garantia para a infância.

Ao mesmo tempo, foi honrado o compromisso de subir o Salário Mínimo Nacional e do Indexante dos Apoios Sociais em 8,4%.

Mas a verdade, é que as respostas não ficaram por aqui.

Congelamos o preço dos passes de transporte, falo com conhecimento de causa, porque sou uma utilizadora frequente dos transportes (sempre o fui e continuo a ser sempre que posso) e da utilização do passe! E não há melhor forma de sair da bolha, do que estar e viajar de transportes públicos e ouvir as preocupações do país para quem o aumento do Salário Mínimo Nacional fez a diferença, ou os apoios extraordinários dirigidos à chamada classe média foram importantes, ou para quem a valorização dos rendimentos dos jovens e a luta contra a precariedade é uma das suas principais preocupações para o futuro. Esse é o meu país.

Para quem tem responsabilidades de soberania, como eu, fazer este trajeto mostra claramente a diferença entre viver dentro ou fora da área metropolitana, os esforços adicionais que se tem de fazer, apesar das vantagens que podem ser oportunidades para este nosso Vale do Sorraia. Porque, o lugar onde vivemos ainda define muito das oportunidades que podemos ter. E é por isso, que o nosso ponto de partida não é o mesmo.  

Só quem não conhece o país e a sua realidade pode achar que a mobilidade e os transportes públicos não são um dos principais fatores de desenvolvimento de um território.

Ouvimos falar de reformas ou da falta de pendor reformista, mas há reforma – política pública que transforma e modifica a vida das pessoas – mais relevante do que o passe social? Que permite que os cidadãos de Coruche, Salvaterra de Magos, Benavante (e já nem estou a falar da ferrovia porque os ganhos são ainda maiores) possam fazer movimentos pendulares para Lisboa por cerca de 90 euros por mês? Alguns, podem esquecer, mas ainda se lembram quando o passe era mais do dobro deste valor e ainda tínhamos de pagar metro e carris à parte?

Não uso a falácia para dizer que está tudo bem. Não pode estar. A Europa está em guerra! Temos (ainda) baixos salários, habitação escassa e cara, poucas oportunidades para os jovens se fixarem nestes territórios ou continuando no exemplo dos transportes públicos, continuamos com péssima qualidade dos mesmos, um desleixo absoluto da empresa privada que está concessionada e começa logo, pelo desafio de demorar mais de 1h30 a chegar a Lisboa (quando não são 2h), vergo-me sempre perante a resiliência de quem o faz 6 dias por semana.

Ainda assim, com uma rede de transportes deficitária e de péssima qualidade (os privados não trazem melhor qualidade – ao contrário dos arautos do liberalismo sempre dizem), é também hora de exigir mais e melhor trabalho à autoridade de transportes – CIMLT- uma vez que é o Estado que suporta o apoio ao passe e já o disse, é uma das medidas mais inovadoras e promotoras para a mobilidade alguma vez feita em Portugal, e que tornou possível trabalhar em Lisboa ou noutro concelho limítrofe com uma redução do custo do transporte, em metade do que era antes.

Esta é uma medida que serve todas as pessoas e que faz todos os dias a diferença na vida dos portugueses e também aqui dos habitantes da Lezíria. E até merece um artigo próprio – cá voltarei.

Ao mesmo tempo, limitamos os preços das rendas e das portagens e estamos, no terreno, com os investimentos do PRR que no Distrito de Santarém tem das mais elevadas taxas de execução, com 175 milhões de euros para a região, sendo dos quais 75 milhões para capitalização e inovação empresarial e 19 milhões para Habitação.

Aprovamos a Agenda para o Trabalho Digno, que irá alterar o Código do Trabalho e legislação laboral conexa e que reforça os direitos dos trabalhadores, combate a precariedade, aumenta a fiscalização sobre trabalho não declarado e o trabalho temporário, reforça os poderes da Autoridade para as Condições de Trabalho e reforça as medidas de conciliação e direitos de parentalidade, consagra um pacote de medidas de apoio aos jovens e valorização dos estágios profissionais – aumentando a remuneração – e criando medidas para proteger os milhares de trabalhadores das plataformas digitais.

Temos no terreno, o programa de creches gratuitas, e este é um dos maiores avanços em termos de aplicação de políticas públicas universais e que já abrange mais de 53 mil crianças e pretende-se até ao fim de 2024 abranger as 100 mil.

Porque não ignoramos a realidade, o impacto do Programa Creche Feliz, é também para os pais e mães das crianças, sobretudo, para as mães, para as famílias da classe média e ainda mais para as famílias desfavorecidas, porque permite liberdade para trabalhar, o que lhes poderia estar vedado por terem crianças pequenas a cargo e não terem capacidade financeira para suportar os custos de uma resposta deste tipo.

Aprovamos o IVA Zero, que irá representar um investimento de 600 milhões de euros, considerando os apoios à produção;

Pela primeira vez, foi possível realizar um acordo de rendimentos com os sindicatos da função pública, e é agora proposto um reforço do subsídio de alimentação em 15,4% a vigorar a partir deste mês, além da atualização adicional para a Administração Pública.

Hoje, a falta de habitação ou a dificuldade em pagar uma renda ou um empréstimo bancário, é um dos maiores impedimentos a uma plena emancipação e por isso, o novo regime aprovado, ao abrigo do pacote mais habitação, prevê apoiar os inquilinos com rendimentos até 38 mil euros e uma taxa de esforço igual ou superior a 35%, num apoio mensal de até 200 euros, por um período de 5 anos.

Já em relação aos créditos à habitação, é criada uma bonificação temporária de juros, obrigando-se igualmente os bancos a apresentar uma oferta de taxa de juro variável, fixa ou mista.

Estamos a falar de medidas que representam um claro investimento nas pessoas num momento difícil e que são possíveis porque foi possível governar com contas certas (afinal não veio o Diabo como a profecia da direita diria…mas veio a pandemia e a guerra…) mas com capacidade para valorizar os salários e os rendimentos e ter respostas para a comunidade e para aquele que é o bem comum.

Não são tempos fáceis e seria falso dizer o contrário, mas a pergunta que costumo fazer a mim mesma e a quem me rodeia é simples? E se não fosse o estado social? Aquele para onde vão os nossos impostos e que permite que a Segurança Social ou o SNS responda perante estas crises sucessivas? Seriam os mercados financeiros desregulados? O liberalismo que acha que menos Estado é que é… e propaga a ideia de que uns são os vencedores da sociedade e os outros os fracassados. Como se fosse assim…

No fundo, era como voltar ao mundo selvagem – só sobrevivem os fortes ou os privilegiados. Isso, para alguém, como eu, que defende o socialismo democrático é inaceitável. 

Como seria, se assim fosse… cada um por si? Até os mercados o ditarem.

A grande verdade, é que tudo funciona bem até correr mal e ser o Estado a ter de resolver, e é exatamente por isso que os portugueses e as portuguesas sabem e tudo o que aqui escrevi exemplifica a realidade: O estado social funciona (e não é perfeito bem sei) e o país (real) precisa que ele continue a funcionar.  

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