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De onde o Tejo deixou pedras nascem vinhos únicos

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Na margem esquerda do rio Tejo, em Almeirim, esconde-se um dos segredos mais bem guardados da viticultura portuguesa: a Vinha do Convento, propriedade da Falua. Ao contrário do que se encontra no resto da Lezíria, dominada por areias e solos férteis de aluvião, aqui o que marca o território é um manto de calhau rolado, vestígio de quando, há cerca de 400 mil anos, o leito do Tejo corria exatamente por este lugar. Esse traço geológico raro transformou a vinha num terroir singular, sem paralelo em toda a região.

Um estudo geológico comprova que até quatro metros de profundidade o solo mantém a mesma estrutura pedregosa visível à superfície, prolongando-se até 11 ou 12 metros, antes de ceder finalmente à areia. Esta composição dá origem a condições excecionais: baixa fertilidade natural, drenagem eficiente, amplitude térmica marcada e uma capacidade única de retenção e libertação de calor. “A pedra é a chave deste terroir”, sublinha a equipa da Falua, que gere os 45 hectares da Vinha do Convento como um património de exceção.

A influência do calhau rolado sente-se de forma direta na uva. Durante os dias quentes do verão ribatejano, em que as temperaturas podem ultrapassar os 40 graus, a pedra absorve calor, refletindo-o depois nas videiras. Para evitar o escaldão, a rega é usada de forma pouco convencional: não para alimentar a planta, mas para arrefecer o solo nas horas de maior calor. À noite, o mesmo calhau liberta lentamente o calor acumulado, garantindo uma maturação mais homogénea e equilibrada.

As produções são naturalmente baixas (entre três e quatro toneladas por hectare, muito abaixo da média regional) mas essa limitação traduz-se em uvas de grande concentração aromática, frescura e intensidade. É precisamente essa frescura, rara numa região quente, que faz dos vinhos da Vinha do Convento um caso à parte no Tejo.

As castas tintas Castelão, Touriga Nacional, Cabernet Sauvignon, Trincadeira, Aragonês e Alicante Bouschet convivem lado a lado com brancas como Fernão Pires, Arinto, Chardonnay e Verdelho. Desta diversidade nasce uma paleta rica que permite tanto vinhos de lote sofisticados como monocastas de caráter puro.

Foi desta vinha que, no ano 2000, nasceu pela primeira vez o Conde Vimioso Reserva, hoje um dos rótulos mais emblemáticos da Falua. Produzido apenas em anos considerados de exceção, este vinho é sempre exclusivo da Vinha do Convento. Desde então, todas as colheitas lançadas têm sido distinguidas em concursos nacionais e internacionais, reforçando a fama do terroir.

Mais do que prémios, são as provas das colheitas antigas que comprovam a sua longevidade e potencial de envelhecimento. Para assinalar os 30 anos da Falua, foi lançado um Conde Vimioso Reserva de 2005, que estagiou durante 17 anos em garrafa. Um vinho raro, engarrafado apenas em magnuns, que simboliza a paciência e a confiança na capacidade desta vinha em dar vinhos de guarda excecionais.

Um trabalho de mãos

Na Vinha do Convento, a tradição continua a marcar o ritmo. Todas as operações, desde a poda até à vindima, são realizadas manualmente. O terreno pedregoso dificulta a mecanização, obrigando a um trabalho exigente, muitas vezes duro, feito sob sol intenso ou em dias de chuva.

A vindima é, por isso, totalmente manual. As uvas colhidas são transportadas em pequenas caixas para preservar a integridade dos bagos e, antes da vinificação, passam 24 horas em câmara frigorífica para garantir frescura à entrada da adega. O processo de transformação combina tecnologia moderna com respeito pela identidade do lugar: prensas com controlo térmico, fermentações com leveduras indígenas e um cuidadoso estágio em barrica de carvalho francês, criteriosamente selecionado ao longo de anos de estudo pela equipa de enologia.

A singularidade da Vinha do Convento não se limita ao terroir. A Falua tem procurado integrar práticas sustentáveis em todas as etapas da produção. A cobertura da adega está equipada com painéis solares que produzem metade da energia consumida. A água é reutilizada em diferentes fases do processo, desde a fermentação até à linha de enchimento, e a equipa criou uma garrafa mais leve, que reduz em 30 a 40% o consumo de vidro.

Na viticultura, a intervenção é mínima e sempre criteriosa, aplicando tratamentos apenas quando estritamente necessários. A certificação de sustentabilidade, obtida em 2024, veio confirmar oficialmente aquilo que já era prática corrente dentro da casa. “Mais do que uma política, é uma cultura partilhada por toda a equipa”, refere a empresa, destacando a participação ativa dos trabalhadores na procura de soluções mais amigas do ambiente.

Apesar dos avanços e do terroir excecional, os desafios são muitos. O primeiro tem a ver com a própria natureza: as alterações climáticas já não são uma previsão, mas uma realidade sentida todos os anos. A irregularidade das estações, as ondas de calor mais prolongadas e a maior pressão hídrica obrigam a uma adaptação constante.

Outro desafio prende-se com a mão-de-obra. Cada vez menos jovens querem trabalhar no campo e o recrutamento para as vindimas torna-se mais difícil. Na Vinha do Convento, ainda é possível contar com um rancho de trabalhadoras experientes, mas a sua média de idades sobe a cada ano. A mecanização seria uma alternativa, mas o terreno pedregoso praticamente impossibilita essa solução.

Há ainda o desafio da perceção pública. Num tempo em que cresce a pressão sobre o consumo de álcool, os produtores procuram sublinhar que o vinho deve ser apreciado com moderação, como parte da cultura gastronómica e social. “Um copo de vinho à refeição não faz mal. O que faz mal são os excessos”, recorda a equipa da Falua.

Por fim, a conjuntura económica. A quebra do poder de compra, agravada pela inflação e pelas guerras, reflete-se também no setor. O vinho, sendo muitas vezes considerado um bem de luxo, sente o impacto direto dessa retração. Na restauração, a diferença de preços entre o valor de adega e o valor final pago pelo consumidor é outro obstáculo, que limita o acesso e reduz o consumo.

Entre pedras, tradição e inovação, a Vinha do Convento afirma-se como um símbolo do potencial do Tejo. O terroir raro de calhau rolado, aliado ao saber humano e às práticas sustentáveis, continua a criar vinhos que resistem ao tempo e projetam a região para além-fronteiras.

Mais do que uma vinha, é um laboratório natural que mostra como o passado geológico e a intervenção cuidadosa do homem podem resultar em vinhos únicos. E é também um desafio para o futuro: preservar este património e transmitir às novas gerações o valor de uma terra que, de tão pedregosa, parecia inóspita — mas que afinal guarda dentro de si um dos terroirs mais extraordinários de Portugal.

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