Trabalhadores refazem lema da Nobre e afirmam que é “uma família pobre”

28 Abril 2023, 22:06 Não Por Lusa

Os trabalhadores da Nobre Alimentação exigiram hoje respeito, à porta da unidade de Rio Maior (Santarém), e refizeram o lema da empresa “Somos uma Família Nobre”, com uma trabalhadora a gritar “Somos uma Família Pobre”.

Ana Constantino disse à Lusa que participa na luta por ser “triste e de lamentar” que, ao fim de 37 anos na empresa, só leve para casa o ordenado mínimo “e porque é exigido por lei”, se não “nem isso” a empresa pagaria.

“É muito desmotivante, porque todos os dias exigem que atinjamos os objetivos, estamos cá para isso, mas, no final, não vimos reconhecimento nenhum e não somos recompensados por isso”, lamentou.

“Estou cá há 37 anos e gostaria de dizer que estou muito contente por trabalhar na Nobre, mas infelizmente não é esse o meu sentimento. Antes pelo contrário. Uma empresa deste gabarito tem como lema ‘Somos uma família nobre”, melhor ficaria ‘somos uma família pobre’”, disse.

Comparando com o período em que a empresa pertencia à família de Marcolino Nobre, antes de ser vendida, no início da década de 1990 à BP Nutrition (tendo, entretanto, passado para várias multinacionais, pertencendo agora ao grupo mexicano Sigma), Ana não duvida: “É a noite do dia.”

“Nessa altura era diferente. Não tem nada a ver mesmo. Não há comparação possível. Éramos reconhecidos pelo trabalho que fazíamos (…). Na altura sim, dava gosto trabalhar, não agora”, afirmou.

Delegada sindical na empresa, onde trabalha há 17 anos, Inês Santos afirmou que, dentro do próprio grupo, a situação dos trabalhadores portugueses, cuja qualidade do trabalho é reconhecida, é única, pois em nenhuma outra empresa na Europa se paga o salário mínimo.

“Em Espanha, pela mesma função que eu desempenho [embalagem de produtos fatiados], um colega ganha 1.800 euros e, o que o presidente do grupo nos diz nas reuniões internacionais, é que as verbas são geridas pela administração de cada país”, disse, assegurando que Portugal é o que gera mais lucros e o que é reconhecido pela melhor qualidade dos seus produtos.

Segundo Inês Santos, além dos baixos salários, da precariedade, da ausência de categorias profissionais, há uma política de “intimidação”, tendo havido “ameaças de represálias”, sobretudo junto dos precários, a propósito da paralisação de hoje, convocada pelos sindicatos dos Trabalhadores da Agricultura, Alimentação, Bebidas e Tabaco (SINTAB) e Nacional dos Trabalhadores da Indústria Alimentar (STIAC).

Inês Santos afirmou que, das perto de uma dezena de cadeias de produção da fábrica, apenas uma está a laborar (produção de salsichas) e outra (fumados) apenas em parte, com uma adesão de perto de 90% dos 600 trabalhadores da empresa.

Inês Santos disse que, como todos os outros trabalhadores, estejam na empresa há 30 ou há um ano, aufere o salário mínimo nacional (SMN), não havendo, igualmente, diferenciação de funções, tendo as diuturnidades deixado de existir com a caducidade da contratação coletiva, em 2016.

Sem qualquer aumento desde 2009, apenas os decorrentes das atualizações do SMN, obrigatórias por lei, a sindicalista afirma que os cadernos reivindicativos dos trabalhadores apresentados à administração levam como resposta “desculpas, como a crise, a guerra, o aumento das matérias-primas”, o que “não faz sentido” numa empresa que “gera milhões de lucros”.

Contando com o apoio de muitos dos camionistas que buzinam à passagem no local onde se mantêm com bandeiras e cartazes, numa das estradas mais movimentadas de Rio Maior, os trabalhadores prometem ficar à entrada da empresa a gritar, “para eles ouvirem lá em cima, ‘Nobre, escuta, os trabalhadores estão em luta’”.

Os trabalhadores, que fizeram greve, pelos mesmos motivos, em 08 de março de 2017 e no passado dia 09 de fevereiro, aprovaram uma moção a apresentar à empresa, na qual dão um prazo de 30 dias para terem uma resposta, determinados a, na sua ausência, “voltar à luta”.

Os sindicatos exigem o aumento dos salários, a diferenciação por categorias profissionais, 25 dias de férias, 35 horas de trabalho semanal, direito ao dia de aniversário e diuturnidades.

A empresa de carnes Nobre foi fundada em 1918, em Rio Maior, por Marcolino Pereira Nobre e a sua família, tendo sido vendida no início dos anos 1990 à BP Nutrition, passando depois para a Sara Lee, seguindo-se a Smithfield Corportation, que, em 2008, se fundiu com a espanhola Campofrío, depois detida pela chinesa Shuanghui e, há uma década, pelo grupo mexicano Sigma.

Questionada pela Lusa sobre a paralisação dos trabalhadores, a Nobre Alimentação afirmou que está “sempre atenta às necessidades” dos “colaboradores e da empresa”, as quais discute com os sindicatos, “de forma positiva e transparente”, em “reuniões frequentes”.

“Reiteramos o nosso compromisso de disponibilidade para dar continuidade às reuniões regulares e, juntos, olharmos para o caminho a seguir”, afirma a empresa.

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