Reportagem: Jay Venakki produz um dos “Fórmula 1 da indústria do Whisky”

22 Maio 2024, 17:56 Não Por André Azevedo

É na pequena vila de Alpiarça que está instalada a única destilaria de whisky de Portugal, a The Portuguese Whisky Company. Jay Venakki é o “artesão” por trás daquele que é, segundo “A Bíblia do Whisky” de Jim Murray, um dos melhores do mundo, tendo alcançado uma pontuação de 96 em 100 pontos.

Foi há 12 anos que escolheu Alpiarça, e o Ribatejo, para iniciar o seu negócio. Justifica a sua escolha pelo clima. “Chega a estar muito calor durante o dia e à noite está frio. Há dias que temos uma amplitude térmica maior que a temperatura média de muitos países”, explicando que estas alterações térmicas são muito importantes para o processo de fermentação e de envelhecimento.

O percurso de Jay não começou na produção de bebidas alcoólicas, aliás, foi numa área completamente diferente. Nasceu em Moçambique, onde os pais estavam emigrados. Após o 25 de Abril retornou com a família a Portugal.

“O meu pai acordou uma manhã com uma AK47 encostada à cara. Disseram-lhe que o negócio já não era dele e para se ir embora. Assim fizemos”, relembra.

Foi na indústria da moda que teve a sua primeira paixão. Estudou design de moda e, como em Portugal não viu saídas profissionais, partiu para o estrangeiro em busca de uma vida melhor. Não encontrou felicidade no mundo da moda.

“É uma indústria muito pouco saudável, na minha opinião”, vinca. Acabou por deixar esse mundo para trás e começou a trabalhar com alguns familiares em Espanha, na indústria vinícola.

“Comecei a redesenhar algumas coleções e a ajudar na parte de gestão de madeira e soleiras. Não na parte de vinificação, mas na parte de envelhecimento, maturação e blending. Desenvolvi um interesse por isso” relembra.

O negócio dos vinhos levou-o até à China, onde viveu cerca de cinco anos. Foi lá que montou a sua primeira destilaria. A baixa qualidade e o preço alto do álcool motivou-o a fazê-lo. Relembra uma passagem de ano em que se juntou com cerca de 50 emigrantes de vários países. Na preparação da festa ficou encarregue de levar as bebidas. Produziu cerca de 20 litros de “moonshine”, uma bebida destilada e não envelhecida.

“Durou para aí uma hora e fez um sucesso entre a malta”, recorda Jay Venakki. Rapidamente começou a vender garrafas de moonshine e acabou por criar uma empresa – a Moonshine Ltd. O clima chinês não era o ideal para produzir bebidas envelhecidas e decidiu então que era altura de dar o passo seguinte: Regressar a Portugal e expandir o negócio.

Hoje em dia produz whisky, moonshine (também designado whisky branco), e gin. Produz entre 10 a 20 pipas de whisky anualmente. Ainda assim a produção anual vai variando com a liquidez disponível para investir.

“É um investimento multiplicado pelo tempo”, explica, já que o processo de envelhecimento, que dura em média seis anos, acarreta custos como eletricidade, renda, entre outros.

A faixa de preços estende-se entre os 40€ para o gin e moonshine e ascende entre os 30€ e os 330€ para a gama de whisky. As vendas são feitas através da página online da empresa. A complementar a destilaria conta ainda com dois bares: O Moonshine, especializado em cocktails, e o Batista, com tapas, cervejas e vermutes. Ambos estão instalados no Mercado Municipal de Alpiarça.

Fórmula 1 dos Whiskys

É assim que Jay define a sua gama de whisky “WoodWork” – Um Fórmula 1 da indústria do whisky. Não hesita em comparar-se às principais referências desta indústria como as gamas premium da Macallan, que chegam a custar milhares de euros.

Quando Jay diz isto, não é por falta de modéstia. Quem compara os whiskys “WoodWork” que produz na sua humilde destilaria em Alpiarça a uma das maiores e mais consagradas produtoras no mundo é Jim Murray – um dos mais proeminentes críticos do sector. Na bíblia do Whisky de 2022 já tinha conseguido um prémio de ouro, com uma pontuação de 94 pontos.

Na mais recente edição alcançou uma pontuação de 96, em 100 pontos possíveis. O famoso crítico chegou mesmo a passar uns dias entre Almeirim, onde ficou hospedado, e Alpiarça, para provar os whiskys de Jay.

O produtor relembra o momento em que Jim Murray lhe ligou para lhe ler a crítica que escrevera e que seria publicada na edição deste ano da “Bíblia do Whisky”.

“Ia a conduzir quando o Jim me ligou. Estava junto à Praça de Toiros de Almeirim. Encostei o carro e foi o melhor que fiz. Quando ele me leu a crítica eu chorei como um bebé. É um orgulho enorme”.

O segredo para atingir esta qualidade está na conjunção de alguns factores – nomeadamente a qualidade das pipas em que envelhece aliada ao clima com variações abruptas de temperatura, explicou Jay Venakki ao NS.

Jay escolhe as pipas pessoalmente. Percorre várias quintas e casas agrícolas de Norte a Sul do país para encontrar as melhores. Não é qualquer pipa que serve para fazer bom whisky. Jay prefere aquerlas que já tenham produzido vinho, para impregnar o whisky com os agradáveis aromas e sabores daquele que é um dos mais conceituados produtos portugueses.

As pipas onde conseguiu extrair o seu melhor whisky foram encontradas na região do Douro que produziram um lote de Tawny – um dos mais conceituados vinhos do Porto.

“Arranjámos duas pipas de 500 litros numa quinta em que tinham lá dentro um vintage, um Tony de 20 anos que é uma colheita declarada por ter sido de extraordinária qualidade. Quando eu cheirei aquilo, nem sei explicar. Não é água de colónia, não é a tua comida favorita, não é o cheiro da mulher mais encantadora do mundo. É algo mais que isso”.

O clima tem também uma função importante para que o whisky envelheça com qualidade. A amplitude térmica elevada faz com que o líquido expanda e encolha dentro da pipa, entrando em contacto com a madeira e com os sucos que lá ficaram impregnados da anterior produção. É este processo que dá o sabor e a cor âmbar ao whisky. Quanto maiores e mais frequentes as descidas e subidas de temperatura naturais, melhor vai ser o produto.

Impostos e burocracias sangram dinheiro e dificultam trabalho

A carga fiscal e as burocracias que o negócio das bebidas alcoólicas acarretam são dos factores que mais causam dificuldades a Jay e à sua empresa. O empreendedor diz-se cansado de tanta burocracia que o Estado impõe. E são burocracias que lhe custam dinheiro.

Quando decidiu regressar a Portugal tinha já todo o equipamento necessário para destilar as bebidas na China. Achou que seria fácil transportar todo o material, mas enganou-se redondamente.

“Ia trazer o material em contentores. Demorava 30 dias a chegar a Portugal, que era o tempo necessário para encontrar um armazém para montar a destilaria”, relembra. Não foi assim que aconteceu. As taxas alfandegárias, os impostos e as burocracias eram mais caras que comprar equipamento novo. Foi um rombo enorme no planeamento que tinha feito para começar o negócio.

A sobrecarga de impostos a que está sujeito é outro dos factores de que se queixa. Além do imposto sobre o teor de álcool absoluto de cada garrafa, paga ainda IVA sobre esse imposto. É algo que à luz da lei não é legal, e que segundo Jay, já trouxe multas da União Europeia ao Estado Português, mas que se continua a praticar.

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