Opinião – “Despir a pele do sobreiro” não é para meninos…

24 Julho 2023, 10:46 Não Por Redacção

Se passou perto de sobreiros recentemente descortiçados, certamente reparou na cor alaranjada do tronco e no número escrito com tinta branca que marca o ano da tiragem. Estamos em finais de julho e está quase a terminar a campanha…

A tiragem da cortiça tem lugar entre maio e agosto, por cerca de doze semanas, inicia e termina condicionada pelo tempo suficientemente quente e húmido que permite retirar a casca, sem dano.

Ao sobreiro, a cada nove anos cumpre-se o ciclo da extração. Os tiradores retiram a casca e entregam na indústria corticeira que lhe acrescenta valor. O produto principal é a produção de rolhas que guardarão os melhores vinhos, em todo o mundo. Mas este não é um artigo sobre a indústria e a ligação entre o vinho e a cortiça, enquanto produtos de identidade nacional e de exportação.

O ciclo da cortiça, já se sabe, é a parte visível do ecossistema do montado de sobro e da floresta mediterrânica. Portugal tem a maior área do mundo, cerca de 23% da floresta nacional é montado de sobro, presente, desde há dez milhões de anos na nossa história.

O que talvez alguns não se saibam é que a arte de tirar cortiça é única no mundo e talvez seja a última atividade de regeneração natural que acontece pela mão do homem. É que extrair cortiça, empoleirado na árvore, com machadas corticeiras, na medida certa e com corte certeiro, não destrói a árvore, antes pelo contrário, promove o desenvolvimento, a longevidade e o sobreiro pode viver até 200 anos. E é por isto que despir a pele do sobreiro não é para meninos. O trabalho de tirador de cortiça requer especialização, e, tal como o sobreiro, transmite-se por gerações.

O trabalho começa com o nascer do dia e é duro, muito duro, já que, em média, cada machada retira, por dia, 30 a 40 arrobas, com temperaturas altas, terreno irregular e formigas.  E não há descanso, até que termine a empreitada.  Dizem que é bem remunerado, cerca de 150€ por dia. Mas será sempre pouco…

Não é de admirar que sejam cada vez menos, os homens que sabem, os que aceitam este trabalho por três meses, os que aguentam a condição física e os que têm idade para o fazer. É por isto que o intervalo de idades dos tiradores de cortiça ronda os cinquenta e os sessenta anos.

Está quase a terminar a campanha deste ano. Dizem que a cortiça está boa e que estaria melhor se tivesse chovido entre março e abril…

E eu digo que está para terminar a relação natural entre o homem e o montado. A floresta tem de ser integrada. É uma inevitabilidade. O futuro será com máquinas de abrir, que só retiram os “pés” da árvore. E estão feitos os primeiros ensaios. As máquinas são leves para se aguentarem nos braços e têm sensores. No futuro, os homens da floresta não serão mestres corticeiros. Talvez sejam apenas operadores florestais.

Por enquanto, o saber-fazer acontece, realizado por homens conhecedores da charneca. Enquanto existirem mestres corticeiros, existe a união entre o homem e a natureza. Uma arte inscrita no Inventário do Património Cultural Imaterial de Portugal.

Deixo uma sugestão… quem ainda não viu tirar a cortiça, que se apresse a testemunhar o momento. O som da floresta, a sincronia de quem ergue a machada a pares, o “cantar da cortiça”, a árvore que “cora” quando lhe retiram a casca é um legado humano, no mundo rural.

Um espetáculo que não se esquece…

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