Morreu o arquitecto Gonçalo Ribeiro Telles

11 Novembro 2020, 17:23 Não Por Redacção

Faleceu esta quarta-feira, 11 de Novembro, aos 98 anos de idade, o arquitecto Gonçalo Ribeiro Telles, que desde a sua juventude tinha grandes ligações ao concelho de Coruche, onde passou grande parte da sua juventude e onde era pessoa e figura bastante estimada.

Nascido a 25 de Maio de 1922 em Lisboa, a sua juventude foi divida entre Lisboa e Coruche, duas realidades que o despertaram para a importância do respeito pela Natureza e para a necessidade da ordem natural e permitiram perceber a ligação que deve existir entre a cidade e o campo. Desde cedo demonstrou, igualmente, empenho nas questões sociais e nas causas cívicas, nas questões de democracia, liberdade e cidadania. Na década de 40 foi presidente da Juventude Agrária Católica, onde, em resposta à falta de políticas sociais do regime então vigente, promoveu uma grande dinamização do mundo rural.

Em 1942 ingressa no Instituto Superior de Agronomia no Curso Geral de Engenheiro Agrónomo e concluiu os Cursos de Engenharia Agronómica e Arquitectura Paisagista em 1950, integrando, juntamente com Manuel Azevedo Coutinho, António Viana Barreto e Ilídio de Araújo, entre outros, a primeira geração de Arquitectos Paisagistas em Portugal.

Pensador, projectista, professor, governante, legislador, deputado e vereador, monárquico democrata, homem de causas, esteve presente e sempre solidário em viragens decisivas da história portuguesa contemporânea. A defesa da democracia, da sociabilização da paisagem, e da qualidade de vida dos portugueses orientam o seu percurso cívico e profissional. “A Arquitectura Paisagística como ferramenta, as Causas Cívicas como objectivo e a Democracia monárquica como finalidade última são os esteios que têm norteado toda a intervenção de Gonçalo Ribeiro Telles”.

Em 1945, participou, juntamente com outros intelectuais e políticos, na fundação do Centro Nacional de Cultura, ponto de encontro de debate de ideias e valores da cultura e do património portugueses. Este interesse foi determinante para a sua formação ideológica e política, traçando caminho que seguiria ao longo de toda a vida. Mais tarde, em 1957, com Francisco Sousa Tavares e outros, fundou o Movimento dos Monárquicos Independentes, assumindo-se claramente contra a ditadura.

A arquitectura paisagista e a luta política são indissociáveis na vida de Gonçalo Ribeiro Telles, sendo que muitas das suas principais batalhas decorrem desses dois planos de actuação.

“O regime salazarista não permitia grandes oportunidades de livre expressão. Em 1967, aquando das chuvas torrenciais e cheias de Lisboa, Gonçalo Ribeiro Telles foi à televisão com Nuno Teotónio Pereira e Nuno Portas explicar a calamidade e apontar o dedo à má política de urbanização de Lisboa. A desarborização das bacias hidrográficas, a proliferação de habitações em situações de risco nas cabeceiras de linhas de água e em leitos de cheias – e sobretudo a falta de condições urbanísticas condignas nos então “bairros de lata” fazia com que milhares de lisboetas vivessem proletarizados. Foi um choque nacional. Era a primeira vez que se debatia abertamente, e sem qualquer limitação, problemas que a ditadura então silenciava.”

O seu percurso profissional desenvolveu-se ao longo de 60 anos, onde exerceu actividade no sector privado, no ensino (Instituto Superior de Agronomia e Universidade de Évora), na Administração Publica (Câmara Municipal de Lisboa e Fundo de Fomento da Habitação) e em diversos Governos. Foi Presidente da Associação Portuguesa dos Arquitectos Paisagistas entre 2001 e 2005, onde actualmente desempenha as funções de Presidente da Mesa da Assembleia-Geral e da Comissão de Avaliação Curricular.

Gonçalo Ribeiro Telles foi um impulsionador e continuador da licenciatura de arquitectura paisagista, fundada pelo professor Caldeira Cabral na Universidade de Lisboa em 1942. Em 1975 colaborou na fundação da Licenciatura em Arquitectura Paisagista na Universidade de Évora, onde é professor catedrático desde 1976. Naquela Universidade dirigiu o Departamento de Planeamento Biofísico e Paisagístico e orientou vários trabalhos para obtenção dos graus de licenciatura, mestrado e doutoramento.

De 1988 a 1992 orientou a Secção de Arquitectura Paisagista do Instituto Superior de Agronomia.

Na Câmara Municipal de Lisboa, onde permaneceu entre 1953 a 1960, com Azevedo Coutinho formou uma equipa que revolucionou os espaços verdes da cidade. Na sequência da recusa do projecto de renovação da Avenida da Liberdade que desenvolveu em conjunto com o Prof. Caldeira Cabral, demitiu-se daquele organismo.

No Fundo de Fomento da Habitação organizou o Sector de Planeamento Biofísico e Espaços Verdes, o qual passou a colaborar nos diversos Planos Integrados de Habitação.

A revolução de 25 de Abril de 1974 projecta-o para a primeira fila das figuras políticas do país. No 1.º Governo Provisório é convidado para Sub-Secretário de Estado do Ambiente, mantendo-se nesse posto durante o 2.º e 3.º governos. Em Outubro de 1975, é nomeado Secretário de Estado do Ambiente, tendo sido notável a sua acção na política ambiental em Portugal. Foi pioneiro na defesa e conservação dos valores ambientais, na promoção da prática do ordenamento do território, do desenvolvimento sustentável e da humanização das cidades, tendo sido o principal responsável pelas bases do actual quadro legal sobre conservação, ordenamento do território e qualidade do ambiente. Continua a desenvolver grande actividade como divulgador de ideias e princípios nestas áreas que introduziu, e pelas quais incansavelmente se tem batido.

De 1981 a 1983, desempenha o cargo de Ministro de Estado e da Qualidade de Vida no 8.º Governo Constitucional. Neste cargo deixou, entre outros legados, uma legislação decisiva: a criação das Áreas Protegidas, Reserva Agrícola Nacional e Reserva Ecológica Nacional. Foram ainda lançadas as bases do ordenamento do espaço a nível local (Planos Directores Municipais), dando o primeiro passo para a futura integração no ordenamento regional, que surgiu em 1983 com a criação dos Planos Regionais de Ordenamento do Território.

Desempenhou cargos de deputado pelo Partido Popular Monárquico (PPM) na Assembleia da República. Em 1984, organiza o Movimento Alfacinha com vista às eleições da Câmara Municipal de Lisboa, tornando-se Vereador.

Em 1985 é eleito deputado independente pelo Partido Socialista da Assembleia da República. Neste cargo é crucial a sua participação na elaboração da Lei de Bases do Ambiente. A exigência de uma nova plataforma para as questões ambientais e o municipalismo, sem a etiqueta do PPM, leva a criar o Movimento Partido da Terra.

Enquanto vereador da Câmara Municipal de Lisboa apresentou, além de outras, as propostas de criação do parque periférico e do corredor verde de ligação entre o Parque Eduardo VII e o Parque Florestal de Monsanto, não obtendo resultados. Mas Gonçalo Ribeiro Telles não abandona combates a meio. Em 1999, conseguiu que a Câmara Municipal de Lisboa assinasse protocolos com os Cursos de Arquitectura Paisagista de Lisboa e de Évora para desenvolver o Corredor Verde entre o Parque Eduardo VII e Monsanto e também planos de pormenor de zonas de Lisboa, como Chelas, Ameixoeira e Vale de Alcântara. Em 2007, a integração no Plano Director de Lisboa do Plano Verde, pelo qual o Ribeiro Telles e a sua equipa se batiam há mais de dez anos, foi aprovada pela Assembleia Municipal de Lisboa.

O reconhecimento do mérito de tão prolongada, constante e persistente actividade traduziu-se em diversas condecorações e prémios, das quais se destacam as Condecorações de Oficial da Ordem Militar de São Tiago de Espada; a Grã Cruz da Ordem Militar de Cristo, a mais alta condecoração que por serviços cívicos pode ser prestada a um cidadão, atribuída pelo Presidente da República Mário Soares, por solicitação de numerosos governantes da época (1994); o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade de Évora (1994); o Prémio Valmor pelo Projecto do Parque da Fundação Calouste Gulbenkian que elaborou em conjunto com António Vianna Barreto (1975); foi eleito Presidente de Honra pelo Movimento Partido da Terra (2007); a Medalha de Mérito Municipal, grau ouro, pelos 60 anos de carreira.

Foi responsável por mais de 100 publicações sobre diversos temas, como sejam: o ordenamento do território, o ambiente, o urbanismo, a análise visual, a paisagem, o projecto, a agricultura, a gestão de recursos, a educação e a política. Destaca-se a obra A Árvore, criada em 1960 juntamente com Caldeira Cabral, considerada uma “bíblia” no ensino e nos ateliers dos arquitectos paisagistas.

Entre a concepção de espaços públicos emblemáticos da cidade de Lisboa, destacam-se o Ordenamento Paisagístico da Capela de São Jerónimo, das Avenidas D. Rodrigo da Cunha e D. João XXI, o Parque Amália Rodrigues, do Cabeço das Rolas na Expo 98 e sobretudo o Parque da Fundação Calouste Gulbenkian, elaborado em 1962, com António Viana Barreto. A estes, muitos espaços verdes ficarão a marcar o génio do seu autor, como os jardins do palácio do Marquês de Pombal em Oeiras, do Solar de Mateus em Vila Real, da Quinta de Riba em Sintra, da Embaixada do Brasil, do conjunto turístico da Aroeira, do Jardim-Horto de Camões em Constância, do Museu Abel Salazar no Porto, dos Hotéis Balaia e Alvor no Algarve, do jardim da Casa de Portugal em Paris.

Em 2013 o arquitecto paisagista Gonçalo Ribeiro Telles é o vencedor do Prémio Sir Geoffrey Jellicoe, o “Nobel” da Arquitectura Paisagista. O galardão foi atribuído pela Federação Internacional dos Arquitectos Paisagistas em Auckland, na Nova Zelândia.

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