InsectERA quer revolucionar indústria com produtos à base de proteína de insetos

23 Agosto 2024, 20:13 Não Por André Azevedo

A Agenda Mobilizadora InsectERA nasceu da mente de Daniel Murta com vista à criação de um novo setor bioindustrial em Portugal focado na produção de derivados das proteínas extraídas de vários insetos (quitina e quitosano), aplicados a várias áreas como a alimentação humana e animal, a cosmética, a agricultura, ou até aplicações mais práticas como o tratamento de águas residuais.

Um dos grandes objetivos deste novo setor bioindustrial é mostrar que os insetos podem representar uma alternativa para alimentar uma população mundial em rápido crescimento numa altura em que os cientistas prevêem que a área e a capacidade de produção agrícola não vai conseguir acompanhar necessidades futuras com as fontes tradicionais.

A investigação de Daniel Murta, doutorado em medicina veterinária e fundador da Entogreen, a primeira marca do setor em Portugal, começou em 2012. Em 2014 fundou a Entogreen e em 2016 instalou a primeira unidade pré-industrial Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária, em Santarém.

O NS foi conhecer o trabalho da Agenda e deste novo setor bioindustrial. O trabalho foi-nos apresentado por António Campos, Gastón Guilgur e Simão Lima – o primeiro é secretário geral da Agenda enquanto o segundo é biólogo molecular e responsável pelo centro de investigação. O último é diretor de qualidade da Thunder Foods. A conversa decorreu entre a sede da Agenda e a unidade de I&D.

Segundo António Campos a Agenda é um consórcio que junta 42 entidades, (entre empresas, entidades do sistema nacional de Investigação e Desenvolvimento, CoLabs, associações empresariais e entidades oficiais, entre elas a Câmara Municipal de Santarém) que trabalham em rede para “possibilitar a industrialização e comercialização de inovadores produtos com base em insetos”.

O trabalho foca-se em quatro vertentes: produtos para alimentação humana (infood), produtos para alimentação animal (infeed), desenvolvimento de matérias-primas para indústrias como a cosmética ou dos bioplásticos (inindustry) e a utilização de insetos como ferramenta de biorremediação e solução para desafios ambientais como a eliminação de efluentes pecuários e resíduos orgânicos urbanos (inbiorremediation), explicou António Campos ao NS. A produção de fertilizantes orgânicos é também um dos focos importantes da Agenda.

O secretário geral explica também que toda a produção assenta num processo de economia circular, ou seja, com o mínimo de desperdícios e a máxima sustentabilidade. “As larvas são alimentadas com bagaço de azeitona, um subproduto resultante da produção de azeite. Os dejetos são separados e transformados em fertilizante que é depois aplicado nos olivais”, exemplifica António Campos. Outra das principais preocupações na produção destes produtos prende-se com a segurança, especialmente pelas apertadas regras da União Europeia em relação à introdução destes produtos nas cadeias alimentares. Por isso mesmo tudo é rastreado desde o primeiro passo de modo a que seja possível detetar problemas em qualquer um dos estágios da produção.

Na instalação de I&D estão sediadas as empresas Entogreen, que produz proteína para ser integrada na alimentação animal e a Thunderfood, responsável pela produção de proteína na cadeia de alimentação humana.

“Este edifício é como a fábrica, mas em ponto pequeno”, explica Gastón Guilgur. Nestas instalações testam-se todos os procedimentos que são depois implementados na unidade de produção fabril. Gastón Guilgur guiou o repórter do NS pela “viagem” que as larvas fazem até à extração dos produtos finais.

Atualmente recorre-se a três tipos de insetos – A mosca soldado negro (BSF – Blak Soldier Fly), o tenebrio molitor (conhecido como escaravelho da farinha) e o grilo doméstico. Segundo as diretrizes da União Europeia, destes três o tenebrio molitor e o grilo doméstico são aprovados para alimentação humana.

A Entogreen usa maioritariamente as larvas de BSF, enquanto a Thunder Foods usa as larvas de tenebrio molitor.

O processo de produção e extração da proteína é feito da mesma maneira para as larvas de BSF e de tenébrio molitor, apenas com a diferença no tempo de crescimento – A larva de BSF demora cerca de duas semanas a chegar à fase de pré-pupa, a ideal para o processo, enquanto a de tenébrio demora cerca de 40 dias.

O primeiro passo é processar o bagaço de azeitona, que fica com uma textura similar a terra, que depois é colocado em tabuleiros. As larvas são postas nesse tabuleiro que segue para um armazém, onde é possível controlar a temperatura e humidade, para que atinja o nível ideal para o crescimento. Durante o processo de “engorda” como definiu Gastón Guilgur, as larvas crescem entre 200 a 300 vezes da sua forma inicial.

“É como se um bebé de 2 quilos crescesse até às 2 toneladas” foi a analogia usada pelo biólogo molecular.

Quando as larvas atingem o tamanho pretendido são peneiradas para separar os dejetos, usados para produzir o fertilizante, das larvas que vão seguir para um forno onde são desidratadas. As larvas secas são trituradas e é daqui que se extrai a quitina (proteína). As exúvias, uma espécie de “carapaça” que as larvas têm, são usadas para extrair o quitosano, que é a proteína usada maioritariamente nos produtos cosméticos.

Proteína extraída do tenebrio molitor tem alto valor nutricional

Simão Lima, diretor de qualidade da Thunder Foods, que em breve vai ter as suas próprias instalações de produção em Rio maior, explicou ao NS que a proteína extraída do tenebrio molitor tem um alto valor nutritivo e pode ser uma mais valia, por exemplo, para atletas de alta competição.

As proteínas que muitos atletas consomem, em forma de batidos proteicos, pré-treinos, pós-treinos, etc, são muitas vezes feitas à base de proteína láctea, conhecida por em algumas situações causar desarranjos intestinais ou problemas gástricos. Segundo Simão Lima esta é uma das vantagens da proteína extraída do Tenébrio Molitor, evitando estes problemas.

O diretor de qualidade refere ainda que quando acrescentada na alimentação humana dita “normal”, como por exemplo em massas que levam uma percentagem de farinha produzida pela Thunderfood torna a comida mais satisfatória.

“Como a massa já tem a proteína o corpo não sente tanta necessidade da carne ou do peixe”, exemplifica.

A Thunder Foods liderou também o projeto Infishmix que estudou a introdução da proteína de inseto na dieta de espécies de peixes criadas em aquacultura, nomeadamente salmão e robalo. Os resultados obtidos mostraram que os animais estavam mais saudáveis e com melhor apresentação do que com a dieta tradicional.

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