Francisco Pombas aponta insegurança, mobilidade e reabilitação como principais desafios para o centro histórico de Santarém

21 Fevereiro 2025, 17:24 Não Por André Azevedo

Francisco Pombas, escalabitano de gema, e residente no Centro Histórico de Santarém há 25 anos, é presidente da Associação de Moradores há cerca de 6 anos, quando a associação foi reativada após um homicídio que deixou os moradores preocupados com a segurança naquela que se considera uma das zonas mais nobres da cidade.

Com o Tejo como pano de fundo, a espreitar pelas muralhas do Jardim das Portas do Sol, onde aconteceu esta entrevista, o engenheiro eletrotécnico, pai de três filhos, falou sobre as várias temáticas que têm preocupado os moradores – dos edifícios devolutos, aos constrangimentos para pintar a fachada de casa, sem esquecer os problemas de segurança e a falta de policiamento que têm deixado moradores e comerciantes preocupados e assustados.

Com o início de um novo mandato de dois anos em que se cruzará com o novo mandato autárquico, Francisco Pombas aponta baterias à criação de um novo documento com propostas a serem desenvolvidas no Centro Histórico, à semelhança do que foi construído e entregue em 2021.

Notícias do Sorraia: Quais são as maiores dificuldades que neste momento o centro histórico enfrenta?

Francisco Pombas: O Centro Histórico de Santarém tem uma situação um bocadinho fora do comum porque tem um potencial enorme. Muita gente não sabe, mas o Centro Histórico de Santarém tem mais monumentos classificados do que o centro histórico de Évora. Portanto, é claramente um centro histórico com muito potencial. Mas, por outro lado, por vicissitudes várias, esse potencial não se concretiza. E, portanto, eu diria que há uma enorme oportunidade. Ela está identificada, está estudada. Há vários estudos, até do ponto de vista turístico e imobiliário, para o centro histórico de Santarém, que o dão como um enorme potencial. Mas a realidade dos dias de hoje traz alguns problemas. O principal problema é a falta de residentes. Ou seja, o centro Histórico de Santarém, por uma questão de património imobiliário degradado, tem muito poucos habitantes. Diria que deve ter menos de 1000 habitantes. Nós (Associação de Moradores do Centro Histórico de Santarém) fizemos há pouco tempo uma distribuição nas caixas dos correios, dos estabelecimentos comerciais e das habitações do Centro Histórico, um formulário para as pessoas se inscreverem na associação e distribuímos cerca de 1000 cartas. Portanto, assumindo que, como é evidente, há aqui algum rácio também de estabelecimentos comerciais e habitação, eu diria que o centro histórico de Santarém deverá ter menos de 1000 habitantes.

Isso é um dos problemas, é que tem pouco peso político numas eleições. Os autarcas preocupam se, acima de tudo, com as zonas mais populacionais e que, no fundo, acarretam também mais votos. A questão da falta de residentes é um dos grandes problemas. Está estudado que a fixação de moradores nos centros históricos das cidades é muito importante para o equilíbrio. Há imensos casos, não só em Portugal como no mundo inteiro, em que os centros históricos se transformaram em parques temáticos da cultura e do património. Penso que Santarém está muito longe disso, mas temos que ter algum cuidado para não transformar o centro histórico da cidade de Santarém num centro, digamos, muito atrativo para os turistas, até porque Lisboa está sobrelotado, o Porto está sobrelotado e os turistas procuram zonas com menos pressão turística. Santarém corre o risco com esta atratividade dos monumentos e do património histórico e cultural, até com a própria atratividade da gastronomia, de atrair muito turista e perder os moradores. Portanto, o maior problema do centro histórico de Santarém claramente é a falta de moradores a viver cá. E isso é causado essencialmente pela degradação que os imóveis do centro Histórico apresentam.

NS: Apesar de, agora, as igrejas e monumentos estarem abertos ao público praticamente todos os dias, sente que há falta de dinamismo e promoção destes ativos?

F.P: Há duas abordagens a este assunto. Primeiro, a associação de moradores, há uns dois ou três anos, fez uma atividade que se chamou simulacro “Visita turística ao Centro Histórico de Santarém”, a um sábado de manhã. Metade dos monumentos estavam fechados. Alertámos para essa situação. Foi alvo até de alguma alguma mediatização nas redes sociais e nos órgãos de comunicação social regional. A realidade seguramente não foi fruto disso, mas provavelmente potenciado por essa ação. O município conseguiu, em conjunto com o ISLA e com a Diocese de Santarém, um acordo que me parece fantástico. Tem custos para o município, ninguém tem dúvidas disso, mas permitiu que os monumentos estivessem abertos, com horários perfeitamente definidos. Mesmo aqueles que estão fechados por algum motivo, alguns dias da semana, há sempre outros que os complementam. É claramente uma medida que melhorou imenso e nós ficamos muito satisfeitos com isso. Em contrapartida, penso que a Câmara Municipal de Santarém tem ainda alguma dificuldade na comunicação. Ou seja, penso que faz falta uma estratégia comunicacional mais assertiva, quer junto dos próprios munícipes, quer junto do público turístico, quer internacional, quer nacional. Sei que a Câmara Municipal de Santarém tem estado presente na Feira de Turismo de Lisboa. Também esteve no Salão Imobiliário. São ações importantes, mas tem que haver uma uma presença mais assertiva em alguns meios de comunicação social, programas televisivos, etc. Penso que há alguma lacuna nisso.

Em termos de visitas ao património histórico Santarém está bem servida. Uma pessoa se quiser uma visita turística com um guia consegue encontrar. Estão disponíveis guias turísticos na cidade. A realidade é que esse tipo de património e serviços associados são pouco divulgados.

N.S: Outro dos problemas do Centro Histórico prende-se com a falta de segurança. A Associação de Moradores sente que esta parte da cidade está algo abandonada pelas autoridades?

F.P: A associação de moradores foi criada inicialmente quando se instalaram os parquímetros no centro histórico da cidade, portanto, há 15 anos. Depois deixou de ter atividade e foi reativada mais ou menos há seis anos, quando houve um assassinato aqui no centro histórico da cidade. Criou se aqui uma onda de alguma insegurança que já era latente e foi o motivo da reativação da associação. Não é uma questão de perceção, é mesmo uma realidade de falta de segurança no centro histórico. Nós, desde o primeiro momento, alertámos para essa situação e sempre dissemos que o melhor caminho, o único caminho, digamos assim, para diminuir a insegurança no centro histórico da cidade, tendo em conta o desenho do centro histórico, o tipo de ruas e vielas e travessas que temos, é o policiamento a pé. Não há outra solução. É evidente que nós também defendemos que a questão das câmaras de videovigilância são um elemento dissuasor. Essa questão está mais uma vez pouco comunicada, devia de haver mais divulgação, mas penso que isso trouxe um sentimento de segurança nalgumas nalgumas zonas. Mas de qualquer maneira, temos verificado que isso não foi suficiente para diminuir os incidentes.

É fundamental polícia a pé no centro da cidade, rondas aleatórias, uma vez por dia, duas vezes por dia, que seja. É um elemento dissuasor, porque quem pretende cometer um crime, sabendo que há a possibilidade de aparecer a polícia rapidamente, porque está num giro desses, será dissuasor.

Esta questão do policiamento não tem só a ver com a segurança, mas também com a questão do estacionamento, porque há uma um sentimento de impunidade. Embora os dois temas não sejam coincidentes, sobrepõe-se. Um polícia a pé, mesmo que não seja um polícia de trânsito a multar, cria um sentimento dissuasor também para o estacionamento. E isso não existe atualmente no centro da cidade.

Já tivemos reuniões com a PSP de Santarém. Nós defendemos que haja um policiamento com visibilidade e de proximidade. Penso que são as estratégias mais ou menos unânimes deste ponto de vista. Quando temos um centro histórico com este recorte com com ruas muito estreitinhas, onde muitas vezes nem sequer os carros podem passar e muitas vezes com alguma iluminação deficiente, a solução é que as pessoas sintam que há uma presença da polícia. Não é um polícia em cada esquina que isso é impossível. Todos nós temos a noção, mas os giros a pé. É raríssimo ver um polícia a pé no centro da cidade.

NS: A mobilidade tem sido um dos temas que tem estado em grande foco recentemente. O centro histórico tem problemas graves de mobilidade, especialmente no que toca a o estacionamento?

F.P: A questão da mobilidade é um dos temas mais atuais. Os moradores são muito sensíveis a isso e, por incrível que pareça, também tem a ver um bocadinho com a cultura de uma cidade pequena em que sempre se estacionou próximo de casa. Portanto, é uma questão cultural e geracional. Vai demorar algumas gerações a mudar esta mentalidade. Mas os moradores são muito sensíveis à questão do estacionamento e sentem alguma revolta nessa situação. Ou seja, a pessoa quer estacionar o carro próximo de casa, não consegue porque há muitos carros de fora do centro histórico. Como é evidente, é importante este triângulo entre moradores, comerciantes e visitantes, sejam eles para fazer compras, para fazer visitas turísticas. Como eu disse no início desta entrevista, o mais importante para um centro de uma cidade como Santarém é fixar o morador. E quando as pessoas têm muita dificuldade em estacionar, começam a pensar se será a melhor opção ou se será melhor irem viver numa zona mais periférica, onde conseguem estacionar próximo de casa com outra facilidade.

O problema do estacionamento tem muito a ver com a questão da do contrato de concessão dos lugares. Portanto, o contrato de concessão, na opinião da associação de moradores, tem algumas lacunas e está redigido de uma forma que é prejudicial para o município, porque o município ficou refém de uma concessão de muito tempo e com algumas regras que não são aplicadas. Mas uma das questões que faz parte do contrato de concessão e é pouco abordada, é que o contrato de concessão considera quase 200 lugares exclusivos para residentes. Está no contrato e isso nunca foi implementado. Mas nós compreendemos que, havendo um diferendo entre a Câmara Municipal e o concessionário, seja um assunto inultrapassável. O que propusemos foi uma coisa um bocadinho diferente, que é o estacionamento exclusivo para residentes em algumas zonas do centro histórico fora do período concessionado. O contrato de concessão está feito de uma forma curiosa, em que a concessão é só durante um determinado período, ou seja, é considerado fora da concessão quando está fora do horário concessionado. É uma abordagem que neste caso poderia ser útil. E o que nós propusemos à Câmara Municipal já foi aprovado em reunião de Câmara do anterior executivo, em setembro de 2021.

Nesse diálogo que tivemos com o anterior executivo, liderado pelo presidente Ricardo Gonçalves, ainda com os anteriores vereadores, foi nos dada alguma razão. Verificou se que fazia sentido nalgumas zonas do centro da cidade, pelo menos do período das 20h00 até às 08h00 do dia seguinte houvesse lugares exclusivos para residentes. E essa medida é uma forma de contornar a questão do contrato de concessão. Do ponto de vista jurídico já foi aceite, foi aprovado em reunião de Câmara e não é implementada. Um morador que chega às 20 horas, 21 horas para estacionar no centro da cidade, em algumas zonas não consegue arranjar lugar e estão lá carros que nós sabemos que são pessoas que não vivem no centro da cidade, que foram estacionar para ir a um restaurante, para ir a um bar. Eu acho que faz todo o sentido essas pessoas continuarem a ir a esses sítios, mas penso que quem visita o centro histórico uma vez por semana para ir almoçar ou para ir jantar não tem grande problema de estacionar num parque pago ou mais periférico e deslocar se a pé. Para os moradores isto é uma situação que, do ponto de vista de melhoria da sua qualidade de vida e mobilidade, tem algum impacto, não tem qualquer custo para o município, não tem qualquer conflito de interesses com o contrato de concessão. No entanto, por inércia dos serviços da Câmara, não é implementado.

N.S: Apontou a degradação dos edifícios como um dos principais problemas do Centro Histórico. Que soluções são apontadas pela Associação de Moradores para resolver este flagelo?

F.P: É claramente um tema que pode mudar o centro histórico da cidade. Ou seja, se nós tivéssemos os imóveis do centro Histórico reabilitados com uma política de rendas acessíveis à classe média, às famílias, mudava completamente o centro histórico. O maior problema do centro histórico de Santarém é a degradação do parque imobiliário. Houve um grande esforço da Câmara Municipal na reabilitação dos monumentos. Temos a Igreja de São João de Alporão recuperada, temos a Torre das Cabaças em via de ser aberta ao público. Essa parte foi conseguida. Alguns largos e praças do centro histórico recuperados. O Largo da Alcáçova, o Largo Visconde da Serra do Pilar, o próprio Largo do Seminário estão recuperados. Portanto, há, desse ponto de vista, alguma vitalidade, até fruto dessas recuperações. Todos nós percebemos que hoje em dia, os finais de tarde no Largo Visconde da Serra do Pilar são animados e com muita e com muitas pessoas a conviver.

É claramente o que nós queremos para o centro histórico da cidade. Em conjunto com esta questão da união do planalto ao Tejo, o desígnio para o centro histórico da cidade de Santarém é reabilitar os imóveis, torna los, disponíveis para famílias viverem. Porque isso trará uma uma vitalidade ao centro histórico muito importante.

Primeiro há que ultrapassar de uma vez por todas o problema do centro histórico estar em vias de classificação. É uma situação que não se percebe. O centro histórico está em vias de classificação há uma década. Não há nenhuma solução para o problema. Eu já defendi a caducidade do pedido de classificação. Nós temos outros mecanismos de proteção do enquadramento dos vários monumentos. Zonas especiais de proteção, que se fizéssemos à volta dos monumentos principais cobririam, se calhar, 60% ou 70% do centro histórico que realmente precisa de ser protegido. (Estar em vias de classificação) Torna os moradores e os proprietários dos imóveis do centro históricos reféns de uma aprovação do governo central para a pintura de uma fachada, por exemplo. Uma pessoa que queira pintar uma fachada de uma casa no centro histórico da mesma cor não o pode fazer sem a aprovação, sem ter um projeto de arquitetura metido na Câmara, ser aprovado pela Câmara Municipal de Santarém, ir a Lisboa para ser aprovado pela antiga Direção Geral de Património Cultural e voltar para Santarém. Só então é que pode começar as obras. Isto é um caminho que não faz sentido e tem de ser ultrapassado.

Há pessoas que já venderam os seus imóveis pela dificuldade de aprovação de projectos. Conheço várias. Compraram um imóvel na perspetiva de construir, fazer obras e depois depararam se com tanta dificuldade burocrática, tanta dificuldade de aprovação… E muitas delas faziam todo o sentido e não eram ofensivas, não eram agressivas do ponto de vista visual, mantinham a traça. E as pessoas, a certa altura, por cansaço, desistiram dos projetos.

Penso que deveria haver incentivos fortes, quer do ponto de vista de isenções fiscais, quer do ponto de vista do financiamento, ou bonificado ou até a fundo perdido, para que os proprietários tivessem forte incentivo na reabilitação dos imóveis e como contrapartida que esses imóveis fossem colocados para arrendamento a preços por metro quadrado acessíveis. O município tem que se constituir como um parceiro na reabilitação dos imóveis.

N.S: Quais são as principais necessidades que o centro histórico apresenta?

F.P: A associação de moradores sente é que há algum cuidado, investimento e preocupação com o turismo e com o comércio. E percebemos que faz sentido, atenção! Congratulamos-nos com todas as ações que foram feitas para promover o centro histórico do ponto de vista dos visitantes. O IN.Santarém, por exemplo, é um festival que atrai muita gente à cidade e a maior parte dos eventos do IN.Santarém são no centro histórico. Nós sempre defendemos isso. O que os moradores sentem é que são um bocadinho esquecidos neste triângulo. Os investimentos que foram feitos neste último mandato foram muito direcionados para os comerciantes e para o turismo e muito poucos foram direcionados para os moradores. Há pequenas coisas que eu diria que até têm custos bastante reduzidos, que poderiam ser feitas e não são. Nomeadamente esta questão da dos lugares exclusivos para residentes, que é uma medida que não faz sentido não ser adotada. E também outra coisa que nós já defendemos é que aparentemente, este executivo agora nesta fase final do mandato está a equacionar que é uma equipa que, pode até ser da Junta de Freguesia, do Município ou até um serviço externo, no fundo, se preocupa com aquelas pequenas coisas que acontecem no centro histórico: uma calçada, uma um problema, uma rotura de água, um problema, uma iluminação, pequenas reparações, não grandes obras, como é evidente que deviam ser feitas.

Temos ainda dois largos que precisam, digamos, precisam de reabilitação. O largo designado por todos conhecem por Largo dos Pasteleiros e o Largo Emílio Infante da Câmara. Esses dois largos estão a precisar de reparação e é depois as ruas adjacentes com uma mobilidade mais agradável para quem nos visita, mas também, acima de tudo, para os moradores.

Este início do mandato vai ser marcado por uma segunda edição do documento, com propostas para o centro histórico para o próximo mandato do Executivo. Algo que foi importante foi termos conseguido, junto de todas as forças políticas que nos recebessem e dialogaram conosco sobre propostas para o centro histórico. Muitas dessas propostas surgiram nos programas eleitorais e algumas delas temos a noção que foram, digamos, alinhadas com as nossas propostas ou muito orientadas até por esse documento. Portanto, nós queremos fazer uma segunda edição desse documento e para tal, em vez de ser um documento elaborado pela direção, vamos fazer no dia 8 de março um encontro em que vamos desafiar os nossos associados a fazer uma manhã de trabalho para ouvir as propostas de cada um.

N.S: Que iniciativas tem a Associação de Moradores do Centro Histórico preparadas para o futuro?

F.P: Já temos programado também uma visita guiada aqui a dois monumentos do Centro Histórico em Maio. Temos também a intenção de voltar a participar nos arraiais dos Santos Populares. É um momento interessante para o centro histórico. O benefício que traz para a cidade e a união que trouxe entre os próprios moradores acabou por ser positivo. Nós o ano passado, conseguimos que os associados se voluntariassem para tomar conta da nossa barraquinha de comes e bebes e penso que criou uma união entre os associados, mas também entre os moradores do centro histórico que acabaram por estar presentes na barraquinha. F uma ação muito dinâmica e com muito envolvimento. Nós queremos mantê-la este ano se se confirmar a realização desse evento e penso que tudo aponta para que tal aconteça. Queremos manter o mesmo perfil. Voluntários para tomar conta da barraca de comes e bebes e ter uma visibilidade e um ponto de encontro para os moradores.

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