Comandante Distrital da PSP de Santarém alerta: “Para termos um policiamento de proximidade, temos de ter efetivos”

16 Julho 2024, 15:50 Não Por André Azevedo

O Superintendente Luís Serafim assumiu o Comando Distrital da PSP de Santarém no início de 2024. Antes deste desafio, que diz agradar-lhe bastante, passou por vários cargos de comando, entre eles a liderança do Corpo de Intervenção da Unidade Especial de Polícia, das Brigadas Anticrime da Divisão de Cascais, ou Departamento de Segurança Privada.

O oficial de 50 anos leva toda a sua vida adulta ligada à Polícia de Segurança Pública. Entrou no Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna com 18 anos, depois de ter passado pela Academia Militar durante a sua adolescência.

O NS foi recebido no gabinete do novo Comandante Distrital para uma conversa onde se abordou temas como a falta de elementos no comando, a criminalidade em Santarém ou equidade com que o Governo deve olhar para as Polícias portuguesas.

NS: Que balanço é que faz destes seis meses à frente do comando?

L.S: Faço um balanço muito positivo porque estas funções são umas funções que que cujo desempenho me agrada bastante. Sempre gostei de estar junto com os polícias no terreno. É um desafio enorme. Desde que fui comandante pela primeira vez até à atualidade, houve muitos processos que se alteraram, muita legislação que foi modificada, muitas atribuições que foram outorgadas à PSP. Entretanto, nestes 28 anos, já muita, muita água correu e, portanto, o balanço é muito positivo.

Eu gosto de interagir com todos os meus subalternos. Sou uma pessoa muito dinâmica. Normalmente não estou sentado no gabinete, pese embora exista uma série de documentação e essencialmente os famosos e-mails que nos prendem muito à secretária, porque existem assuntos que cujo despacho carece sempre da presença assídua do comandante distrital. Mas gosto muito de interagir com os meus subalternos, Saber o pulsar dos meus homens, quais é que são os seus anseios, etc. Tenho tido alguma dificuldade, mas tem a ver com com as questões associadas aos recursos humanos. Estamos de alguma forma deficitários, que é algo transversal à polícia.

Do ponto de vista externo, gosto muito de interagir com as entidades, com as forças vivas aqui do distrito de Santarém. Já interagi com todos os os os autarcas que fazem parte da área de responsabilidade da PSP. É uma área muito extensa, o Comando Distrital de Santarém a seguir a Lisboa e Porto é o comando com maior área territorial à responsabilidade da PSP aqui no Continente e portanto é algo que me agrada bastante.

Lembra me aqui aquela velha frase do treinador Villas-Boas que disse que estava na cadeira dos sonhos. Eu estou na minha cadeira dos sonhos.

NS: Há um grande défice de pessoal no Comando de Santarém. É inegável. Como é que vê uma possível resolução para isto?

L.S: Nós temos que pensar nestas soluções de uma forma integrada. Não podemos olhar só para Santarém. E depois quem também está a gerir a polícia no seu todo tem que olhar para Santarém, mas depois tem que olhar para todos os outros comandos. Tem que olhar para Leiria, para Aveiro, para Beja, para Faro, para Bragança, etc. E balancear de alguma forma o efetivo mediante as necessidades que temos em cada distrito tendo em conta o número de subunidades, o número de ocorrências, os índices criminais, etc.

Isto é um trabalho de sapa, mas que eu estou convencido de que está a ser feito. Se calhar não é tão tão célere como nós gostaríamos que fosse. Mas depois quem também está ao nível dos distritos vai municiando a direção nacional com tudo aquilo que que tem conhecimento e tudo aquilo que vê.

NS: Alocar uma percentagem maior dos agentes que terminam o curso de formação aos comandos fora das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto pode ajudar a mitigar este problema?

L.S: De uma forma prática, posso dizer que poderia resolver. Mas esse tipo de decisão, na minha perspetiva pessoal e com os conhecimentos de que eu disponho, já de quase três décadas de serviço, não sei se em termos institucionais não teríamos mais prejuízo. A nossa formação é bastante completa e abrangente, mas a formação prática, os primeiros meses no terreno são muito importantes para para um novo agente de polícia. E as realidades ainda continuam a ser muito assimétricas entre a área metropolitana de Lisboa e do Porto e depois os restantes comandos.

Na minha óptica, não sei se seria muito positivo fazer isso. Talvez fosse melhor manter se esta decisão de outorgar os agentes que saem da escola sempre para as áreas metropolitanas, até para ganharem algum calo para que depois, quando então forem transferidos para comandos a que se chamam de segunda linha, mas sem desprimor para esses comandos.

Eu acho que faz toda a diferença na experiência profissional que depois é entregue também em prol da polícia e de todos os cidadãos.

NS: Sente a capacidade operacional do comando afetada?

L.S: Não sinto a capacidade do comando afetada. Mas não posso deixar dizer que isso é quase uma evidência. Se mais tivesse, mais faria. Aliás, isto é uma frase que me recordo de ter dito no aniversário do dia do Comando Distrital, dia 17 de Maio, eu disse precisamente isto.

Tenho envidado esforços junto do senhor Diretor Nacional e do senhor Diretor Nacional Adjunto da área de Recursos Humanos, que estão absolutamente cientes das dificuldades que nós temos. E algumas delas, como eu disse, são transversais. Mas o caminho faz se caminhando. Quando falei no meu discurso de aniversário do Comando Distrital da PSP, falei na questão do balanceamento dos efetivos. Falei do balanceamento que tinha entre unidades territoriais, entre distritos. E, portanto, temos que olhar para as realidades. Temos que olhar para Santarém. Temos que ter noção, de facto, da população que Santarém tem. Estou a falar não só da capital de distrito, mas de todo o distrito Temos de olhar para o número de subunidades que o Comando Distrital de Santarém tem e depois temos que conseguir balancear o efetivo face a comandos de cariz similar. Com com a mesma extensão territorial não há. Este é o maior sem ser Lisboa e Porto. Existe um comando aqui bastante próximo, com sensivelmente o mesmo número de subunidades que é o Comando Distrital de Leiria e portanto temos que olhar e verificar se os rácios estão equilibrados, se não estão equilibrados.

Eu penso que o senhor Diretor Nacional, quer o Diretor Nacional Adjunto quer o Secretário de Estado, estão cientes para isto. Só que nós não conseguimos é se calhar atuar com a celeridade que nós gostaríamos. Mas a partir do momento em que o problema está diagnosticado, paulatinamente, vamos tentando resolver.

NS: Aquando da apresentação do sistema de videovigilância, o Secretário de Estado Telmo Correia não se alargou quanto a possíveis obras de requalificação no edifício do Comando. Já tem alguma novidade desde esse dia?

L.S: Não. Desde essa altura não tenho mais nada que possa dizer. Vou tentar ao meu nível, requalificar, essencialmente aqui, ao nível da sede do Comando Distrital. Já concluímos, por exemplo, a intervenção na área das salas de detenção.

Vamos melhorar aqui a parte do atendimento ao público, que aqui na capital de distrito é muito movimentada e dar outros tipos de condições ali na entrada aos camaradas que ali trabalham, até para que possam servir melhor as pessoas.

NS: As migrações são um desafio?

L.S: É um desafio, mas que não é um desafio policial, digamos assim. A polícia acaba por ser, se calhar a última rácio aqui num num rol de entidades que tratam este tipo de situações.

Aqui no distrito de Santarém, pelo menos naquilo que corresponde à área de responsabilidade da PSP, não temos tido grande notícia de alterações de índices criminais face à presença ou ausência de migrantes. Não quer dizer que não venha a acontecer. É a factualidade que temos atualmente.

Sou um cidadão como outro qualquer e também posso e também posso fazer aqui uma interpretação, colocando me na pele dos cidadãos que nós temos, que a injustiça se entranha e que talvez possam achar um pouco estranho ou sentir algum constrangimento, especialmente as pessoas já na terceira idade, que não sei se se verão nestas nestas novas pessoas, uma ameaça. Se calhar algum constrangimento, alguma estranheza, digamos assim.

Não tem havido nenhuma relação de causa e efeito entre a criminalidade que nós vamos tendo aqui em Santarém e nas cidades que estão sob a tutela do Comando Distrital da PSP, que esteja relacionada ou cujo aumento se deva à presença de imigrantes.

NS: Durante o primeiro semestre de 2024 houve pelo menos três situações de crimes com recurso a arma de fogo em comparação a apenas uma no ano transato. Encontram alguma justificação para este facto?

L.S: Às vezes são situações inusitadas e situações pontuais. Até porque muitas vezes existe alguma criminalidade que é itinerante e, portanto, as pessoas podem passar e fazem. E na semana a seguir já estão em Bragança ou em Braga, ou em Faro. Na minha perspetiva, serão meras coincidências. Notamos um incremento da criminalidade geral e estamos preocupados. No que toca à criminalidade violenta e grave do ponto de vista global, não obstante essas situações, a tendência foi de diminuição.

Eu vejo os relatórios de criminalidade diários. Temos uma componente elevada de crimes associados à utilização das novas tecnologias nos computadores, etc. Pode ser aquelas burlas do olá pai/olá mãe, as transferências bancárias, burlas informáticas e se calhar alguns desses configuram crimes informáticos cuja investigação até é da competência da Polícia Judiciária. Isso noto que tem havido porque os cidadãos continuam a ser muito incautos nesta matéria.

NS: As câmaras de vigilância instaladas, numa parceria entre o Comando e o município de Santarém, pode ser uma forma dissuasora da criminalidade, embora não substitua aquilo que é o tradicional polícia na rua. O policiamento de proximidade vai continuar a ser uma prioridade sob o seu comando?

L.S: O policiamento de proximidade é sempre um um dos objetivos da polícia em termos genéricos. Temos é que ter capacidade para o fazer. Para termos um policiamento de proximidade, temos de ter efetivos que permitam efetuar esse policiamento de proximidade.

Agora o que é facto é que, em paralelo a utilização das câmaras de videovigilância são muito importantes, porque a tendência numa ou pelo menos a tendência decrescente que temos vindo a assistir nas entradas nas nas forças de segurança faz com que este recurso acabe ainda por ser uma mais valia do que aquilo que era no passado.

Não podemos olhar para estas tecnologias com desconfiança, nem como substitutos do polícia. São um meio complementar da atividade policial. Mas dá nos uma capacidade muito mais alargada de cumprir os nossos objetivos de serviço ao cidadão, de proteção das pessoas, da prevenção da prática de crimes e, eventualmente, da sua perseguição, da sua repressão. Porque nós, tendo noção de que o crime acontece e tendo a visualização de uma situação em tempo real, se calhar conseguimos acudir de uma forma muito mais rápida e pronta às solicitações das pessoas. Em última análise, até para efeitos de prova.

NS: Alguns sindicatos e associações sindicais chegaram a um acordo com o Governo para o aumento do subsídio de risco nas forças de segurança. Ainda assim fica aquém do valor reivindicado. Acha que este complemento se deveria equiparar ao da Polícia Judiciária?

L.S: Pagaria mais a um professor catedrático ou ao professor que deu o ensino primário? Qual é que foi mais importante na sua formação? E na nossa formação, será que o alicerce não é o sustentáculo de toda a nossa formação? Esse professor catedrático, por exemplo, se fosse um físico nuclear, professor de física nuclear, um indivíduo com uma craveira intelectual. Mas se calhar esse físico nuclear, se não tivesse tido uma boa professora ou professor do ensino primário, nunca chegaria a professor de física nuclear.

A Polícia Judiciária é uma polícia específica, é uma polícia especializada, portanto tem uma área de acção sectorial, digamos assim, porque é uma polícia de investigação criminal. Portanto, nós temos duas grandes forças de segurança. Temos duas polícias genéricas em Portugal, que é a Polícia de Segurança Pública, é a Guarda Nacional Republicana. A Polícia Judiciária é uma “polícia jovem” em relação à PSP e à GNR (a PSP é fundada em 1867, a GNR em 1911 e PJ em 1945)

Eu entendo que temos que olhar para as polícias todas com a mesma equidade, digamos assim, porque cada um atua na sua esfera de competências. E não temos dúvida nenhuma que a PSP e a GNR são polícias muito mais ecléticas. Estão aqui prontas para intervir numa situação de ordem pública. Também fazem policiamento desportivos, também acompanham feiras e mercados, fazem fiscalização de estabelecimentos, respondem a ocorrências. Desde o cidadão que foi vítima de furto ou outro tem o gato em cima da árvore. Portanto, a multiplicidade de tarefas em que a PSP e a GNR possuem é de tal forma alargada a que temos de olhar para essas duas polícias, pelo menos do ponto de vista valorativo de igual forma que olhamos para uma polícia específica.

NS: Dado esse alargado leque de competências, não estarão os polícias da PSP e GNR sujeitos a mais riscos que os da Polícia Judiciária?

L.S: Eu não diria que está sujeito a maior ou menor. É um risco diferente porque a Polícia Judiciária nunca atua como “first responder”, como se costuma dizer. A Polícia de Segurança Pública e a Guarda Nacional Republicana são os “first responder” em qualquer situação. Às vezes, situações cuja intervenção primária, até de um socorrista ou de um bombeiro, ou de um médico, por exemplo. Quanto mais não seja para garantir um perímetro de segurança para que outras entidades possam desempenhar a sua atividade com segurança e em condições. São profissões diferentes e atuam em campos diferentes.

NS: Esteve em missão no Kosovo. O que é que essa experiência lhe acrescentou como profissional e como pessoa?

L.S: Uma mundivisão completamente diferente da que eu penso que é a mundivisão que temos. Quando vamos ao estrangeiro e trabalhamos ou fazemos um programa Erasmus ou interagimos com estrangeiros num ambiente internacional, sendo certo que numa missão policial o ambiente é sempre mais tenso. E, portanto, o que isso me trouxe foi essencialmente um conhecimento muito mais abrangente. Daquilo que é a realidade de outras polícias, a realidade de outros países.

Quem faz este tipo de missões, por norma, nunca mais as larga, digamos assim. Eu por acaso larguei. Ainda ainda tive a curiosidade e fui instado a fazê-lo, a candidatar me a outros outros postos. Mas depois também temos de saber conciliar a não só o nosso desejo, os nossos objetivos, o nosso foco, mas também a nossa vida familiar que é muito importante. E, portanto, acabei por por ter essa experiência muito gratificante do ponto de vista internacional e numa área aqui da Europa que eu não conhecia em absoluto e que neste momento detenho algum conhecimento.

NS: Como é que conjuga a vida pessoal com a profissional?

L.S: Com muita dificuldade. Um comandante distrital é quase uma figura omnipresente. E mesmo que eu não esteja aqui fisicamente presente no comando, o meu telemóvel está a 24 horas por dia ligado. E portanto eu estou sempre disponível para atender a qualquer solicitação que me façam.

Quando escolhi ser polícia já sabia o que vinha, portanto não vinha enganado. Mas é muito difícil. De facto é muito trabalhoso. Mas tendo sempre os nossos princípios alinhados acho que conseguimos chegar sempre a bom porto.

Há aqui algo fundamental que não tem nada a ver com a polícia, mas que não posso deixar de dizer que é o desporto. O facto de praticar desporto, de ter de ter uma rotina de treino acaba por ser um escape também do ponto de vista mental, para preservar a minha sanidade mental. Do ponto de vista mental é muito importante.

NS: Que mensagem gostaria de deixar aos seus homens?

L.S: Essencialmente uma mensagem de esperança. É firmar mais uma vez o propósito de fazermos sempre para quem vier depois de nós. Isso é dos maiores princípios de vida que nós podemos ter. Tentar criar condições para quem venha a seguir a nós. A nossa passagem na polícia e até na própria vida é uma passagem fugaz. Primeiro, nunca devemos fazer mal quando podemos fazer bem. Isso acaba até por ser um exercício irracional, não é? E é, portanto, baseado nesse princípio. Construiremos seguramente um mundo melhor para aqueles que virão depois de nós. Porque os tempos são difíceis. Quem está na polícia há quase três décadas, como eu, sabe disso perfeitamente. Já vivemos tempos chamados de vacas gordas. hoje vivemos tempos mais difíceis, especialmente no que toca aos recursos humanos. Enquanto se mantiver esta situação, não temos que ter dúvidas que vamos ter que trabalhar a dobrar ou triplicar ou quadruplicar. Estou plenamente consciente disso. Tenho esperança de que o tempo que virá depois de nós seja um tempo melhor.

Mas não significa que nós olhemos para o copo meio vazio. Temos de olhar para o copo meio cheio. Deixar obra feita. Fazer com que aqueles que venham depois de nós se sintam muito melhor. Numa profissão que é como eu costumo dizer, para aqui ninguém vem enganado. As pessoas que vieram para a polícia foi porque quiseram vir e estamos sempre a tempo de deixar a profissão. Ninguém é obrigado a ficar na polícia, portanto, faz um pedido exoneração e vai se embora. Se as pessoas quiserem continuar, é para se esforçarem em prol do cidadão, em prol da comunidade, em prol das pessoas que servimos e em prol de todos os camaradas. Porque isto é uma entidade que, do ponto de vista da sociedade, do Estado, é inexorável. A polícia é algo que existia antes de nós e vai subsistir depois de nós.

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